Voltei à adolescência

Acordei, pela primeira vez em anos, na casa dos meus pais, com eles cá, no Natal. Acordei e cheira maravilhosamente a comida. Saio do quarto e cumprimento a minha mãe, que ia a passar. Entro na sala onde o meu pai está rodeado de papéis e papelinhos, a fazer as contas ao que gastou. Entro na cozinha e vejo a minha mãe a fechar um perú já recheado. Vejo o arroz doce no fogão. A galinha da criação já morta e depenada para a cabidela está ali ao lado e o cabrito para amanhã ao jantar espreita, se não me engano, do lavatório que está coberto por um pano. Cheira a Natal. Quando pergunto o que é o almoço a minha mãe enxota-me, uma vez que com 60 anos o multi-tasking já não é a sua melhor faculdade.

Vou tomar banho à "minha" casa de banho e vejo mais uma vez o truque da mangueira do chuveiro que me deixa um sorriso nos lábios, ao relembrar aquela madrugada em que o chuveiro tinha sido instalado no dia anterior e acordei a casa toda à gargalhada. Já banhado, vou à mesa de cabeceira do meu pai assaltar o perfume e ponho aquele Prada que Passionata adora e que ele continua a usar religiosamente todos os dias porque a senhora que os oferece sabe o quanto ele gosta dele e não oferece outro. Tal como há tantos anos.

Espanto-me porque uma das minhas Sweats favoritas ainda me serve. Recordo o quando e o porquê de ela ainda estar nesta casa com alguma amargura, uma vez que a última vez que a usei foi há alguns meses quando a minha avó materna faleceu. "Mas ela estava cá antes disso", diz a minha mãe. "Trouxeste-a para cá quando ficaste desempregado e vieste cá passar uma semana quando fomos de férias". E aí recordo com ainda mais amargura devido ao que me foi feito por essa entidade patronal, já desaparecida.

Nos entretantos o meu pai deu-me o jornal e pediu-me para ir buscar o meu avô a casa dele para o almoço da véspera de Natal. Tradição à qual falto há alguns anos porque habitualmente trabalho neste dia e o ano passado almocei sozinho em casa. E agora penso no quanto gostava que Passionata aqui estivesse e no quanto ela havia de gostar.

Cheira a Natal. E eu estou feliz...